Olhos atentos, quintais e memória

Quando li a coluna do Milton Hatoum sobre o título Adeus aos quintais e a memória urbana (que recomendo veementemente) me senti menos só. É normal a crença de que a desgraça é nossa e o quintal do vizinho sempre é mais verde. Hatoum faz um tour (que alguns poderiam chamar de saudosismo romântico) pela ambiência memorial. Enfim, alguém escreveu o que eu gostaria ter escrito no Estadão!
A sensação de que não estamos sós nos pensamentos e conclusões sobre a questão da ambiência da cidade nos alenta. Mas...
Por sua vez recebo de Tadeu Chiarelli, por uma rede social, a informação que a obra "Olhos Atentos" de José Resende, doada à cidade de Porto Alegre em 2005, está em processo de oxidação e que, a despeito do esforço da Fundação Bienal do Mercosul em conseguir captar recursos para sua recuperação, será sumariamente destruída por aquela prefeitura.
Há uma crise estabelecida. Quando lemos os comentários da postagem sobre o estado da obra de José Resende, temos a dimensão da invisibilidade (ou o que seria pior, a insensibilidade) daqueles que deveriam ser os contemporâneos a ela. A insensibilidade ultrapassa a invisibilidade pois perpassa vários sentidos, está além da apreciação visual da (ou através) obra, que no caso propõe uma outra perspectiva da cidade de Porto Alegre.
A espetacularidade como comportamento humano organizado de forma institucionalizada tem sido travestida sobre a forma de eficiência econômica e formal, como retórica que a justifique.
Sob este discurso a cidade tem se tornado vazios. Alguns vão dizer que, ao contrário, o que menos há são vazios. Eu reafirmo: vazios. Nada tem significado, tudo acaba sendo estorvo à construção deste não-lugar.
"Talvez alguns políticos e donos de empreiteiras sintam ódio ao nosso passado: ódio inconsciente, mesmo assim verdadeiro; ou talvez não sintam nada, e toda essa barbárie seja apenas uma mistura de ganância, ignorância e desfaçatez." (Hatoum)
Em Belém, além do Grande Hotel, muito tem se perdido todos os dias. Principalmente o senso de pertencimento e cidadania. Estamos andando em cidades feias, perigosas e insalubres, o oposto do pensamento Haussmaniano, tudo que os primórdios do pensar urbano construiu há mais de dois séculos. Delegamos aos governantes as decisões e nos reunimos em pequenos grupos: regredimos neste ponto à idade média, talvez...
Onde está a evolução? Se a produção antiga não tem valor porque representa algo superado, se o contemporâneo é incapaz de ser apropriado pelo tempo presente a ponto de ser preservado (ou ao menos respeitado em sua dimensão artística), em que tempo estamos?
Sem lugar, sem tempo, estamos num limbo acima do mundo real, mas não sem pertencermos a ele.

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