Não fazer nada, com urgência

“Em minha primeira gestão como prefeito de Curitiba, numa das primeiras decisões que precisei tomar, recebi um abaixo-assinado de uma associação de moradores que continha um pedido muito estranho. A solicitação era para que a prefeitura não fizesse nada naquela vizinhança.

Determinei ao Secretário de Obras que verificasse esta situação. Descobrimos que o pedido, apesar de insólito, tinha uma origem lógica. A prefeitura estava realizando obras na região – correção de perfis nas ruas não pavimentadas – e o receio dos moradores era de que as máquinas acabassem cobrindo com terra um pequeno olho-d’água.

Meu despacho no processo foi lacônico, mas decisivo: “à Secretaria de Obras, não fazer nada, com urgência”. Às vezes, na vida de uma cidade ameaçada por decisões que podem prejudicá-la, é necessário não fazer nada, com urgência.

Trinta e dois anos depois, em Lisboa, pego um carro para dar uma volta, e a primeira pessoa que vejo na cidade é Álvaro Siza Vieira, arquiteto respeitadíssimo e requisitado no mundo inteiro. Seria a mesma coisa que sair pela primeira vez no Rio de Janeiro e encontrar Oscar Niemeyer. E ali estava Siza Vieira, tranquilo, inspecionando uma obra. Gênios aparecem, muitas vezes, sem a lâmpada mágica.

Vejo as colinas, lindas colinas, e o Tejo. Nos jornais, notícias sobre novos projetos para Lisboa. Túneis, viadutos, a Expo 98 deixou contribuições, mas era uma área decadente que foi renovada.

Na Lisboa da avenida da Liberdade, do Rocio, das Colinas, talvez a melhor acupuntura seja não fazer nada, com urgência.

PS: Que tal uma pequena ousadia: pintar o elevador Santa Justa com cor de zarcão?”


LERNER, Jaime. Acupuntura Urbana, Rio de Janeiro: Editora Record, 2003, p. 23-24

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