Belém, 400 anos

Há alguns anos atrás, num tempo em que Belém possuía um prefeito que planejava estratégias para o futuro da cidade, foi lançado um projeto denominado "Belém 400 anos", que visava ações que intencionavam apresentar uma cidade digna de sua história quadricentenária.
Foi um período de fé na construção coletiva, na discussão democrática, mas... o poder! A cidade, não seu povo, tinha tal maturidade... E essa velha senhora passou a ser tratada sob a égide de suas potencialidades, não de suas carências; foi explorada como uma velha e demente, uma louca que gritou por algumas décadas por respeito à sua nobreza, em vão.
Poucos foram capazes de amá-la em sua fragilidade. Alguns gritos ecoam, como da Velha Belém, essa louca desesperada, diante dos abutres, carniçais, sombras que se lançam sobre o seu passado sem lhe deixar levantar o olhar para qualquer horizonte. Acuada, a Velha Belém se esconde em algum recôndito da Cidade, agora, como ela, Velha.
Há um tempo morei em Belém, e dela me alimentei a alma e o corpo com desejos e esperanças. Sair de Belém foi o desencarnar de um corpo agonizante e pouca coisa me faz pensar em Belém de forma afetuosa, mas também lhe adornei de flores e desejos de frutos.Também construí meu projeto pessoal para Belém 400 anos. Nada ousado, apenas gostaria de presentear à cidade a edição do Marcos do Tempo, pesquisa de especialização homônima a este blog, sobre os monumentos de Belém, porém não aconteceu: assim como a gestão da cidade, minha vida também tomou outros rumos, também convivo com gaviões e cobras do lavrado que não me dão segurança no chão onde piso.
Expatriada, desnaturada, sem raízes, muitas vezes tida como aventureira ou corajosa, sigo vivendo a luta do tempo, com a certeza que não dou passos para trás. Belém é terra à qual devo muito do que sou profissionalmente e no amadurecimento, pelas conversas com idosos guardiões de sua memória, almas das coisas edificadas e que, muitos, se mantém visagentos em suas casas. São referências indeléveis, como as rugas e os cabelos brancos que tenho agora e que me aproximam ainda mais do senhor do chalé do Mosqueiro, da senhora do sobrado na avenida Nazaré, das irmãs do solar no Bairro do Marco, do baú de relíquias da Campina, da alma que pulsa na Cidade Velha.
Desses 400 anos, vivi pouco mais de 25, o que não é nada para a cidade, mas muito para mim, sendo esse "muito" algo que transita entre a plenitude e um enorme vazio. São quatro séculos de batalhas sociais que se repetem, sem dar definitivo poder aos cabanos ou à elite; são conquistas de espaços reconhecidamente impróprios; segue a cidade se apequenando como foi o desmembramento gradual de seu território;
Queria muito construir um texto heroico para homenagear Belém, apaixonado como do turista aprendiz, mas tê-la vivido, como vivi, intensamente, não me permite chupitar displicentemente um sorvete no terrace de seu grande ou central hotel. É de doer na alma ver os pássaros juninos em agonia e sem sequer direito à cuíra. É dor aguda pensar no risco que corre pelas ruas estreitas, como uma serpente. E nem tenho um Manoel Bandeira a quem endereçar essas palavras...
Belém, coragem! Os velhos estão cansados, os jovens não acreditam e os muito novos te desconhecem, contudo, quem sabe, esse barulho todo pelos seus 400 anos faça despertar a esperança e o desejo de lutar.

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