Aldeia Maracanã, visão antropológica

Acho que o texto abaixo é suficiente para esclarecer, sob a óptica antropológica, a luta pela Aldeia Maracanã. Não se trata apenas da apropriação de um discurso, nem do posicionamento político e tampouco da oportunidade da imagem indígena como marketing. Em outra postagem eu, confesso, não entendia muito bem o papel dos indígenas nessa luta. Depois deste texto, consigo entender e me posicionar, não apenas em defesa do edifício, mas do uso dele pelos povos que se apropriaram e o denominaram Aldeia Maracanã, por ser legítimo e justo.

"A Comissão de Assuntos Indígenas da ABA/Associação Brasileira de Antropologia vem a público manifestar sua preocupação quanto a forma leviana como tem sido tratada pelos poderes públicos a ocupação por indígenas do antigo prédio do Museu do Índio, na cidade do Rio de Janeiro, ameaçados de remoção policial. Embora a questão não seja recente, nos últimos dias a por eles chamada, metaforicamente, de Aldeia Maracanã ganhou bastante visibilidade nas redes sociais e na imprensa brasileira e internacional.
A ocupação indígena do antigo Museu do Índio ocorreu após cerca de quarenta anos de abandono do lugar pelo poder público. O prédio, que está bastante deteriorado, foi ocupado por indígenas de diversas etnias. No espaço ao seu redor do prédio foram erguidas pequenas casas da taipa, hortas e árvores frutíferas foram plantadas. Ali são realizados eventos de promoção das culturas indígenas, a venda de artesanato e encontros de indígenas que moram ou estão em trânsito na cidade.
O prédio tem evidente valor como patrimônio histórico e arquitetônico nacional. Construído na segunda metade do século XIX ele foi destinado para uso do Duque de Saxe, genro de Dom Pedro II. Foi a primeira sede do SPI (1910) onde atuou o Marechal Candido Mariano Rondon, e do Museu do Índio, fundado por Darcy Ribeiro em 1953. O prédio sediou o Setor de Estudos e Pesquisas do SPI, local onde trabalharam importantes antropólogos brasileiros, como Eduardo Galvão e Roberto Cardoso de Oliveira.
Todas as manifestações públicas feitas por técnicos e comissões que vistoriaram o local declararam que o edifício não corre o risco de desabamento e que pode ser plenamente reformado. Em função dessa memória, seu resgate e importância para a história do indigenismo brasileiro e do movimento indígena, os indígenas ocupam o prédio abandonado e vem ali realizando a promoção da história e das formas de organização social e cultural indígenas.
A Aldeia Maracanã tem funcionado como polo agregador de indígenas que estão na cidade do Rio de Janeiro, se constituindo como um instrumento na organização e campo de visibilidade dessa presença na cidade. Tal fato se tornou evidente com o apoio mostrado através da grande receptividade e acolhida que a questão está recebendo nas redes sociais por onde circulam abaixo assinados eletrônicos, um deles com mais de 10 mil assinaturas em menos de cinco dias.
A CAI/ABA lembra que a Constituição Federal determina que aos poderes públicos federal, estadual e municipal cabe promover políticas específicas para os povos e comunidades indígenas. A Aldeia Maracanã no Rio de Janeiro apresenta questões e demandas importantes que merecem a atenção, reconhecimento e respeito do poder público em suas diversas instâncias. Nesse sentido alertamos para que o governo e prefeitura do Rio de Janeiro coloquem em prática o diálogo intercultural como tarefa imperativa do poder público, preocupando-se com a valorização da diversidade étnica, cultural e social de nosso pais, buscando por todos os meios positivos promover seus canais de expressão e organização.


João Pacheco de Oliveira e Marcos Albuquerque/ Comissão de Assuntos Indígenas.
Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 2013.

Associação Brasileira de Antropologia,
Caixa Postal 04491, Brasília-DF, CEP: 70904-970"

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