Mais de trinta anos

Entre essa geração internética, talvez a Anistia seja apenas uma página na Wikipedia ou algo assim. Para quem viveu, com algum grau de envolvimento, os chamados Anos de Chumbo da Ditadura brasileira, se delicia com o sabor de poder ter um blog!! A maravilha de poder escrever, exprimir a sua opinião, provocar questões, situações e diálogo é algo fantástico. Inclusive de gente se posicionar a favor do que ocorreu naquela época. Difícil de entender pelos que têm menos de 30 anos, a dimensão, por exemplo, da Censura...

Hoje temos um marco histórico a comemorar: a promulgação da Lei n° 6.683, conhecida como Lei da Anistia. Naquela época, os que ousaram dizer ou fazer algo considerado subversivo, foram exilados, presos, torturados ou mortos. Há trinta anos atrás obteviveram direito a liberdade. Verdade isso? Não, meia-verdade! Muitos desapareceram no meio desse turbilhão. E essa liberdade não foi assim tão assimilada. A aclamada Anistia Ampla, Geral e Irrestrita não se concretizou por completo.

Puxo da memória fatos que vivi:
1979 = Anistia.
1982 = estudando em uma escola federal, resolvemos fazer uma feira profissional e, dentro desta feira, construir uma casinha, um protótipo onde pudéssemos exercitar de forma prática o que aprendíamos na teoria. O objetivo dessa casa, depois de construída, seria servir como sala de estudo para os estudantes que moravam longe. Esse movimento, embora apoiado em princípio pela direção, passou a ser visto como algo subversivo, pois promovia a união de esforços. Em 1985 a casa foi destruída e nunca cumpriu seu objetivo.
1983 = na mesma escola federal, um grupo de teatro monta um texto dentro do espírito Besteirol da época, fazendo uma paródia do Programa "Esta é a Sua Vida", com situações do dia-a-dia dos estudantes. O espetáculo teve um avant-premiére para um sensor e um representante da direção da escola.
1988 = os DCEs e os Centros Acadêmicos de várias universidades do Rio de Janeiro resolvem promover uma grande passeata e a ocupação do Palácio Gustavo Capanema, antigo edifício do MEC, no Rio de Janeiro. As palavras de ordem, entre outras eram "Ensino público de qualidade" e "Fora Sarney". Na época não foi noticiado o movimento.

Talvez seja difícil incluir fotos... mas eu coloco esse vídeo para que se faça uma reflexão. Lembrando: quem fala é o cara que sofreu Impeachment logo depois de se eleger! Sim, ele foi eleito!!



Meu pai, embora não participasse de nenhum grupo, movimento ou partido perseguido nesses tempos, tinha o hábito de dizer, em tom irônico, cada vez que nós, crianças, falávamos alguma pérola da inocência da idade: "Cala a boca! Não fala essas coisas! A gente não sabe se tem microfone escondido!" Não sei que segredos ele escondia, mas ele era, de fato, um homem de visão além do seu tempo. Cresci vendo na minha casa edições do Pasquim, ouvindo discos de Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil e sendo ensinada a decifrar os enigmas de suas poesias. Vejo agora uma geração que cresceu sob o signo da liberdade, mas que não sabe utilizá-la, sendo ingratos na reclamação de direitos, como crianças mimadas (claro que não são todos, mas a grande maioria)!

Quero nesse momento provocar, através da música da década de 1970 de autoria de Marcos Valle, a crítica dessa dita liberdade pós-Anistia, na esperança que a juventude realmente saiba se apoderar de forma inteligente e consciente desse momento histórico.

Não confie em ninguém com mais de trinta anos
Não confie em ninguém com mais de trinta cruzeiros
O professor tem mais de trinta conselhos
Mas ele tem mais de trinta, oh mais de trinta
Oh mais de trinta
Não confie em ninguém com mais de trinta ternos
Não acredite em ninguém com mais de trinta vestidos
O diretor quer mais de trinta minutos
Pra dirigir sua vida, a sua vida
A sua vida
Eu meço a vida nas coisas que eu faço
E nas coisas que eu sonho e não faço
Eu me desloco no tempo e no espaço
Passo a passo, faço mais um traço
Faço mais um passo, traço a traço
Sou prisioneiro do ar poluído
O artigo trinta eu conheço de ouvido
Eu me desloco no tempo e no espaço
Na fumaça um mundo novo faço
Faço um novo mundo na fumaça
Não confie em ninguém...


(Com Mais de 30 - Marcos Valle & Paulo Sergio Valle)

Dedico essa postagem à Idanise Hamoy que me fez relembrar algo esquecido.

Comentários

Belenâmbulo disse…
É...
Tenho apenas duas recordações da censura, da época em que aconteceram mesmo:
1 - uns documentos com letras pequenas e uma faixa verde-e-amarela na diagonal, que apareciam antes de cada programa de TV, informando se era livre ou para maiores de tantos anos
2 - um LP da Elba Ramalho que vinha com o aviso de que a faixa "Nordeste Independente" não poderia ser executada em público

Demais lembranças já são do tempo de escola, quando alguns professores discutiam o assunto. Mas a censura já havia acabado.

Abraço

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