Campinas e Belém tem mais em comum que Carlos Gomes!

Uma ideia "genial" sobre um bem arquitetônico exemplar da arquitetura industrial: tá obsoleto, tira do lugar, transfere para outro!

Sim, eu poderia estar falando dos galpões 11 e 12 da Companhia Docas do Pará, mas estou na verdade comentando o despautério que vai ocorrer com o edifício da Algodoeira Esteves & Irmãos, em Campinas. Eis a notícia que recebi, seguida do comentário de Celso Lago Paiva, que lamento não conhecer pessoalmente, mas que muito admiro por suas colocações. Compartilho com ele a dor desse "olhar de estrangeiro", de quem adotou uma terra e a vê desmerecida por aqueles que deveriam ser seus guardiões.

Façam o exercício de ler os textos, desmontem de Campinas e os reconstrua em Belém:

"Prédio será desmontado e reerguido em outro bairro

Construção antiga fica em frente da antiga rodoviária de Campinas; trabalho será semelhante a quebra-cabeças
19/02/2012 - 12h10 . Atualizada em 19/02/2012 - 12h16

A Prefeitura autorizou o desmonte do prédio e no sábado representantes da Defesa Civil estiveram no local
(Foto: Dominique Torquato/AAN)

O prédio antigo que fica na esquina da Avenida Barão de Itapura com a Rua Barão de Paranaíba será desmontado aos poucos e construído no bairro Carlos Gomes, em Campinas. A reconstrução do prédio será feita por meio de uma parceria entre os proprietários, da família Pesagno, e a Fundação Douglas Andreani. O novo espaço, que será exatamente igual ao que hoje fica localizado em frente à area da antiga rodoviária, abrigará um centro cultural.
O representante da família Cícero Lopes diz que o galpão foi filmado para que a reconstrução seja fiel ao prédio histórico. O processo de desmonte começa pelo telhado, com a remoção de telhas, e deve ficar pronto em 30 dias. "Iremos retirar telhas, a estrutura do telhado, vigas, pilares e tijolos", explicou Lopes.

Segundo o Instituto de Desenvolvimento de Campinas e Região (Idesc), o novo centro abrigará cursos profissionalizantes e projetos sociais. O Instituto não soube informar o volume de investimentos que serão usados para reconstrução do prédio. A Prefeitura autorizou o desmonte do prédio e ontem representantes da Defesa Civil estiveram no local para uma vistoria. O processo de remoção das telhas e desmonte da estrutura deve começar na próxima semana, após o Carnaval.

A remoção das estruturas será feita por meio de caminhões com guindastes e a Prefeitura precisa montar um esquema para garantir a segurança de todos envolvidos no processo. "O trânsito deverá ser interrompido para a remoção, não só na Barão de Paranaíba, mas também na Barão de Itapura", afirmou Sidnei Furtado, diretor da Defesa Civil de Campinas. Ele informou que o prédio está apareentemente torto e que o representante pelo projeto irá solicitar uma reunião para informar como o processo será feito. Segundo o representante dos proprietários, parte da estrutura está danificada. Mas a Defesa Civil disse que não há risco de desabamento.

O prédio está desocupado. No local funcionava um estacionamento de carros. Com a desativação da rodoviária, o comércio foi fechado. Hoje o espaço é usado por moradores de ruas e usuários de drogas."
Eis a análise do Celso:

"Colegas:

Credo quia absurdum!

O antigo prédio do Cotonifício Esteves é estrutura industrial magnífica de cerca de mais de 1.500 metros quadrados de panos de muros, de quase um metro de espessura, com fundações de socos de 1,50m de largura (cerca de 5.000 toneladas acima do solo).

As fundações gigantescas serão também cortadas e reinstaladas?

Seria muito mais simples e coerente manter a edificação no local, e dar a ela destinação social condizente com sua importância, com o bairro em que se situa (Botafogo-Bonfim) e com todos os fatores históricos, sociais e econômicos que redundaram em sua edificação e utilização.

Retirá-la de seu contexto e isolá-la no fim do mundo é como mandar nosso avô para um asilo, cortado em pedaços, encomendando ao Senhor de Frankenstein que junte as partes e reavive o corpo com sua máquina elétrica: nosso avô poderá ser, finalmente, sombra patética do que um dia significou para nós.

Mais uma vez, o social e o cultural foram menosprezados, com predominância das forças econômicas (leia-se poder comercial-imobiliário), mais poderosas que tudo mais.

É o mesmo em toda parte: São Luís, Ouro Preto, Diamantina, Parati, São Luiz do Paraitinga, Curvelo, Piracicaba, Campinas, et coetera...

Infelizmente, boas iniciativas se perdem num mar de afrontas ao patrimônio, como abandono, incêndios, ataques de cupins, tombamentos recusados, deslizamentos de encostas, fachadismo, destombamentos, reconstruções, reformas batizadas de "restaurações" , demolições sumárias, abertura de ruas em centros históricos, desapropriações para fins sociais, pinturas kitsch de fachadas, abertura de estradas e construção de represas... e por aí vai.

E as boas iniciativas nem sempre são tão boas assim: vejam-se as "casas bandeiristas" da capital paulista, espremidas em terrenos absurdamente reduzidos, umas mais (Tatuapé, por exemplo) e outras menos (Butantan), mas confinadas como bois num brete, desligadas do ambiente rural na qual se edificaram.

Falta seriedade e boa vontade no planejamento e implementação das políticas públicas para os patrimônios histórico, cultural, arqueológico, paleontológico e natural.

Até quando os técnicos e especialistas serão ignorados nas decisões públicas?

Lamento a iniciativa de Campinas.
Lamento a passividade da Prefeitura.
Lamento a conivência do CONDEPACC.

Pobre Campinas, em processo eterno de despojamento e aniquilação de seu patrimônio, do qual quase nada restou. Até o início dos anos de 1960 a capital histórica do açúcar e do café apresentava riquíssimo centro histórico e o maior acervo de conjuntos rurais edificados de todo o país. O que restou disso? Quase nada...

Triste cidade que se tornou a capital nacional do fachadismo e do descaso cultural!
Tudo isso afeta meu brio de campineiro adotivo, afastado mas presente.

Estamos fingindo de conservação, ao aceitar tal estado de coisas!



Celso do Lago Paiva

Pesquisador de:
- Tecnicas de edificação coloniais
- patrimonio historico edificado
- Epigrafia historica
- patrimonio historico-cultural em UCs"

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