Porto de Harmonia 2012

Parece nome de enredo de escola de samba, mas é o título que a Companhia Docas do Pará deu a sua apresentação visual do discurso engana-bobo do Projeto de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto - PDZ, já exaustivamente discutido (pelo menos por mim, e não só aqui).

Esclarecimentos aos leigos:
  1. Apresentação não é projeto, lay-out não é projeto, maquete virtual ou real não é projeto! Estes procedimentos são usados, e com retóricas bem conhecidas (sim a linguagem visual também possui figuras de linguagem!). Quem já teve a experiência de ver uma propaganda imobiliária e comparar com a realidade sabe muito bem do que estou falando. Enfim, estas formas de "esclarecimento público", ainda mais associadas a um título tão "fofo" nada mais são que, tecnicamente falando, propaganda. Neste caso, enganosa, pois não tem relação real com o documento técnico do PDZ.
  2. Projeto é um conjunto de procedimentos técnicos que resulta em documentos que subsidiarão uma ação. O PDZ é mais que um projeto, é um plano, isto é um conjunto de projetos. Qualquer projeto, até o de fazer uma festa de aniversário, exige uma série de providências anteriores e, a depender do tamanho da festa, exige um plano. E todo bom projeto traz também seus estudos de impacto, avaliação pós-implantação e gestão. Profissionais de várias áreas estudam para isso e, para tal, passam a ser conhecidos como projetistas, em várias áreas. Um engenheiro na área portuária e aquaviária não tem domínio técnico para responder de forma responsável por áreas da atuação da engenharia civil ou do planejamento urbano, por exemplo. Muito menos sobre arquitetura, seus aspectos técnicos e jurídicos.
  3. Cruzando as informações técnicas com a propaganda, surge uma dúvida crucial: ou criaram um novo "projeto porto 2012" e rasgaram todo o plano anterior, ou esse material do Porto Harmonia não tem consistência. Onde está previsto no PDZ áreas de lazer? O que vão fazer, por exemplo, com a Faculdade Metropolitana da Amazônia - FAMAZ, que está num dos quarteirões arrasados para que, na maquete eletrônica, se torne uma grande área de lazer? Lazer para quem, naquela localização? Quem vai pagar pelas desapropriações e intervenções públicas? Onde estão os projetos das edificações que volumetricamente se apresentam na maquete eletrônica com usos saídos da cartola? Sim, porque nenhum destes usos está previsto no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Belém...
  4. Existe nome para o tipo de intervenção que está se propondo, onde são alteradas áreas públicas, vias, há mudança de usos: Operação Urbana Consorciada. As OUC se baseiam nos instrumentos previstos no Estatuto das Cidades (não regulamentados até hoje após a revisão do Plano Diretor Urbano de Belém, o que tem reduzido a gestão local a acordos de gabinete) e possui como princípio de que a cidade, por ter função social, deve ser tratada na perspectiva do direito difuso e, consequentemente, os impactos à cidade devem ser negociados, demandando os custos a quem mais se beneficiará da intervenção. Contrapartida social está ligada à geração de habitações de interesse social e reabilitação de áreas de preservação, normalmente associando-se as ações. Praças mal projetadas são vazios urbanos.
  5. Quanto ao trânsito: os traçados estão conflituosos: existem cruzamentos de fluxos que não existiam antes, ociosidade de vias e a descarga principal de tráfego para as bordas do bairro do Reduto. Onde estão quantificados estes fluxos, pelo menos graficamente, para termos uma noção do impacto sobre o bairro? Quem realmente acredita que as vias locais desse bairro vão suportar a demanda norte-sul de ônibus e automóveis em Belém, via Pedro Álvares Cabral?
  6. O maior problema do trânsito com esta intervenção no TECON da CDP não é a área contígua ao porto, mas o aumento de fluxo de carga para abastecer o porto. Quem ainda não percebeu isso ou é cego ou não quer ver (ou quer fazer o discurso do cego para convencer a população). Para quem não sabe, a avenida Marechal Hermes (aquela que corre ao longo da área portuária) já era considerada área de colapso de trânsito pelo estudo da JICA (aquele dos japoneses...), além de vários trechos ao longo do percurso (único) do trânsito de cargas por via terrestre até o Porto de Belém. Sim, congestionamento em Ananindeua é consequencia das artérias entupidas que chegam ao centro de Belém! Afinal, nem sempre a pia entupida é problema do cabelinho no ralo, sabemos disso, né!
  7. Queremos um Porto Harmonia, uma situação de consenso técnico para o bem de Belém: no Rio de Janeiro tem o Porto Maravilha, que é uma OUC e nem por isso é um processo unilateral e unânime. Mesmo com todo aparato legal e técnico, muitas questões tem sido polêmicas e, como deve ser na civitas, exaustivamente discutido, mesmo com a demanda do evento da Copa do Mundo como prazo inadiável. Trago a mente um despacho do grande arquiteto, ex-prefeito de Curitiba e governador do Paraná, Jaime Lerner: "Não fazer nada, com urgência!". Posturas unilaterais, não dialogadas são fadadas ao caos, e o caos urbanificado ainda é pior. Às vezes não fazer é o melhor para a maioria, enquanto não se tem uma solução digna.
  8. O que é aquele enfileirado de guindastes na esquina das avenidas Visconde de Souza Franco e Pedro Álvares Cabral? Se a CDP afirma que tem problemas de manutenção dos guindastes, como equipamentos que são, dentro da área portuária, gerando riscos aos operários, qual o objetivo, lógica, função, dos mesmos na esquina onde passarão os caminhões de conteiners e o grande fluxo de acesso ao centro de Belém? Cidade não é vitrine, nem atuação de arquiteto é de decorador: isso é "coisa bonitinha pra agradar os olhos dos meninos", como disse Éolo Maia numa palestra na UNESPA (antigo nome da UNAMA) na década de 1990? Vai por mim: os meninos preferem, com certeza, ver o por-do-sol na beira da baía do Guajará! Talvez até curtam, alguns, uma cena de violência, um acidente de um veículo contra guindastes, peças caindo na cabeça de alguém, mas temos que zelar contra a barbárie, não acham?
  9. Pra não dizer que não falei de patrimônio... Colocando literalmente o que está na citada página da CDP (inclusive com o Caps Lock): "ELES NÃO SERÃO DESTRUÍDOS: SERÃO MANTIDOS, PRESERVANDO SUAS CARACTERÍSTICAS HISTÓRICAS". Quem escreveu isso não sabe sequer o que é a Carta de Veneza (aliás, cidade voltada às águas, por sinal), documento básico, de 1964, sobre conservação e restauração de monumentos e sítios! Leiam, é curtinha! Lá responde boa parte das questões de preservação dos galpões e do contexto histórico de um conjunto patrimonial.
  10. Vamos discutir tecnicamente ou continuar sendo unilaterais?

Comentários

MEDIADOR/A disse…
APLAUDO DE PÉ...

CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP CLAP

... Depois da aula, vamos pra ação. Vamos marcar um bate-papo pra tomar efetivar as cobranças, amiga?
Beijos,
Hilda
Claudia disse…
Mais um detalhe: no traçado da tal Rua de Belém (nomezinho irônico) tem ao menos duas torres de transmissão que abastecem a subestação do Reduto. Vão deslocar?
Mas, afinal, quem sou eu pra fazer críticas, né...
Façam as suas, seus comentários, se apropriem da discussão sobre este absurdo pra cidade de Belém!
Claudia disse…
Recebi este questionamento por e-mail:
"Prezada Claudia Nascimento
Além de divulgar ao público, interessado ou não, é necessário encaminhar as lacunas identificadas do tal projeto, em forma de ofício, ao Ministério Público Federal, uma ferramenta que ainda funciona. E quanto mais a usarmos mais força ela pode ter a favor da comunidade.
Att.(remetente preservado)"

AO QUE RESPONDI:

"Muito oportuna esta colocação.

Bem, eu sou estudiosa, militante e trabalhadora na área de patrimônio cultural há décadas (isso pesa) e uma das perguntas que sempre me faço, e colegas se fazem é: o que estamos fazendo? Preservando o que e para quem? Semana passada mesmo, no evento de História Oral na UFPA, foi feita esta pergunta para uma participante do GT que estava acompanhando e eu lhe disse: "se você tiver essa resposta, resolverá todos os problemas da preservação do patrimônio!" De forma sucinta ela respondeu: o patrimônio é cultural e, se cultural, coletivo; cabe a seus agentes determinar sua preservação ou perda; transformá-los em testemunhos vivos ou lembranças necrófilas.

Porque digo isso?

Não foram poucas as lutas, as frentes de batalha que me arvorei em defesa do patrimônio: quer como parecerista técnica, pesquisadora, articulista, indo "pro panelaço" (como alguns gostam de reduzir), reuniões entre órgãos de preservação, secretarias, Ministério Público, coletando assinaturas... Mas uma coisa é fato: não adianta o esforço individual se o bem é coletivo - tem que haver envolvimento coletivo! Senão fica reduzido ao grito individual, seja lá de quem for, que se torna pessoa estigmatizada como "a encrenqueira", "a barraqueira", "a louca" que faz barulho sozinha. Não quero ser a Claudia da CDP, do Teatro São Cristóvão, do Ferro de Engomar, do BRT ou de qualquer atributo de luta coletiva, ganha ou perdida. Normalmente perco, porque estou sozinha (ou quase).

Estou fornecendo as armas. Se coletivamente houver interesse nesta luta, podem usar as minhas dúvidas, acrescentem outras e façamos os encaminhamentos aos órgãos devidos. Contem comigo, se for pra ser coletivo. Individualmente, não mais.

PS: vou postar isso no blog, juntamente com as suas colocações. Quem sabe esse grupo aumenta.


Claudia Nascimento
Arquiteta e Urbanista - SECULT/PA
Mestranda em Arquitetura e Urbanismo
Especialista em Semiótica e Artes Visuais
http://marcosdotempo.blogspot.com"

ESPERO...

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