Em Santarém

Acabei de retornar da Pérola dos Tapajós, onde estive auxiliando minha amiga Estefany na coleta de dados em entrevistas e fazendo registro de depoimentos para o Museu da Imagem e do Som do Pará. Retorno com sentimentos antagônicos, de dever cumprido e de uma enorme revolta.
Logo ao chegar tenho o choque de ver quilômetros de mata que margeavam a estrada que leva ao aeroporto... ou melhor, NÃO VER os quilômetros de mata. Um descampado que vai se tornar, segundo informações, um "bairro planejado". COMO ASSIM? Como planejar algo que vai comportar milhares de famílias de classe média à beira de uma praia sem sistema de esgotamento e com uma via de duas pistas (uma de ida outra de volta), como a Perimetral? Chegando em Santarém, me acendeu a luz vermelha de que a gestão municipal estaria um caos, pois só isso "justificaria" tamanho absurdo... Mas sigamos a viagem.
Chegando na orla, um belo edifício, que vi em pé em junho último, de fachada azulejada, transformou-se numa caixa oca. Já haviam envelopado as fachadas com vinil adesivo e agora, segundo relatos, sem a menor cerimônia foi posto abaixo. Talvez isso já seja tido como regra em Santarém, visto a quantidade enorme de edifícios nessa triste situação, mas alerto: NÃO É! Embora a única incidência de proteção seja estadual, há atuação legal do DPHAC sobre a área, contudo (todos sabemos), não é viável fiscalizar todo o Estado do Pará se não houver a atuação (prevista na legislação estadual) de órgãos locais e legislação específica de proteção municipal. E aí vai mais um absurdo: setor que deveria conter e disponibilizar acesso à informação vive com suas portas fechadas, a secretaria de turismo possui estrutura ínfima e a de cultura sequer tem telefone fixo! Informação oficial é quase um luxo em Santarém, então, vamos à parte boa!
Os detentores do saber histórico em Santarém, como Cristóvam Sena, Helcio Arruda e Terezinha Amorim foram extremamente generosos em suas falas e nos alimentou de informações riquíssimas, através das quais compartilhamos muitas inquietações. Cristóvam Sena, por exemplo, criou o Instituto Cultural Boanerges Sena que vem disponibilizando informação especializada sobre a região, coletando depoimentos e publicando, sob o formato vídeo e, agora também livros. Helcio Arruda se diz um amador, um historiador auto-didata, e coleciona em sua casa um importante acervo da cultura material da cidade, além de sua memória privilegiada. A professora Terezinha Amorim tem investido, através de projetos universitários, na difusão através da publicação de revistas, guias e artigos sobre Santarém. Aliás todos os entrevistados foram importantes para confirmar visões e sentimentos que nos fazem pensar na urgência da proteção do patrimônio cultural paraense. Um exemplo nevrálgico é o Museu Dica Frazão, criado pela prefeitura na casa dessa grande mestra do saber, artista de personalidade forte a caminho lento e doloroso ao centenário. A prefeitura, segundo a artista, banca apenas o gasto com iluminação e o acervo não encontra-se sequer totalmente exposto por falta de manequins e vitrines.
Um depoimento duro de se tomar com sorriso no rosto, assim como o do Seu Chapadinha, comerciante do centro da cidade que deu a visão clara de alguém que quer fazer pela história e memória de Santarém, porém, por não haver meios e critérios claros, acaba sendo fadado ao erro e, consequentemente, desestimulando-se.
Santarém precisa de gestores sérios em todos os níveis. Pessoas que queiram fazer. E o poder público tem que garantir o direito básico de opinião e cumprimento de leis, a despeito do sentimento de medo de atingir esse ou aquele poderoso.
Temos que ver e defender, não este ou aquele patrimônio cultural (embora sempre hajam questões de emergência), mas uma nova postura frente às coisas que nos são representativas. E há muito o que fazer!

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