Olhos da rua

Jane Jacobs, em "Morte e Vida das Grandes Cidades" nos sugere que o controle social não se faz somente por medidas de gestão, mas pela participação humana efetiva. Ela nos sugere que o problema de [in]segurança das nossas cidades está diretamente relacionada à existência do que ela chama de "olhos da rua". Coisa simples de entender, e difícil de fazer entender.

Os saudosistas dirão: no meu tempo, as crianças brincavam na rua, a gente sentava na calçada, conhecia todos os vizinhos; agora temos que viver trancados em casa com grade, cadeado... E eu pergunto: o que veio primeiro? A insegurança ou a ausência do uso do espaço público?
As cidades modernas (ou que se alimentaram desse discurso para justificar seus crimes) valorizaram a máquina em detrimento do homem. Le Corbusier, a quem uns erroneamente imputam valores humanistas, via a casa como "máquina de morar" e buscava o "homem tipo", modular. Esse padrão se impregnou como valor, e o automóvel, a velocidade, determinou a nossa relação com o mundo: queremos tudo rápido, vemos tudo rápido [isso me lembra que tenho que ser sucinta porque ninguém lê postagem longa em blog!].

Nem todo espaço na cidade tem que ser de fluxo, mas devemos ter locais de vivência. Estes, por sua vez, estão segregados em guetos específicos: o shopping, o estádio, o parque de diversões, o cinema, a festa, o evento, a internet. Conhecemos o mundo e não conhecemos o vizinho. Respondemos ao Twitter "What are you doing?" e sabemos o que o fake do nosso ídolo acha, mas não perguntamos isso para o menino que grita na nossa porta.

Antigamente o menino gritava e reconhecíamos. Agora nos assusta.

Não vivenciamos como espaço de sociabilidade o nosso entorno próximo. Não andamos mais pelas ruas, apenas em carros fechados, peliculados, potentes que, por sua vez, são o sonho dos assaltantes. Utopia? Não. Antigamente o espaço de vivência próxima era seguro porque nos pertencia como extensão de nossa casa: varríamos a calçada, trocávamos receitas e fofocas com a vizinha. Íamos passear com o cachorro e as crianças na praça pública e lá encontrávamos os amigos, nos reconhecíamos e nos apropriávamos da cidade. A cidade era do cidadão e não do ladrão.

E onde estão os planejadores, arquitetos e urbanistas de nossa cidade senão sendo cúmplices com seus projetos, da violência urbana? É bom ver que, ao menos no campo teórico eles ainda discutem...

Um sem-número de maus exemplos de gestão do espaço público da cidade de Belém estão sendo expostos nos últimos anos. A abertura da Avenida 25 de Setembro, o binário das avenidas Senador Lemos-Pedro Álvares Cabral e, recentemente exposto em rede nacional, a abertura do Conjunto do BASA. O que é isso: resentimento ou despeito por existirem ilhas de qualidade de vida nessa cidade?

No Conjunto do BASA, à beira da via estrutural Avenida Almirante Barroso, crianças brincavam, andavam de bicicleta, a relação de vizinhança existia de fato. Outras vias semelhantes existem, e não é a Rua do BASA que vai ser a panacéia para solucionar o trânsito de Belém. E no primeiro dia de abertura da via, um imóvel foi invadido e assaltado. Coincidência?
[Virá mais...]

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