Modernismo barroco brasileiro

Não é sem motivo que as grandes expressões da arquitetura brasileira são o Barroco e o Modernismo. Conjugaram, sob todas as formas, as articulações do espaço, quer de forma funcional, quer de forma plástica. E dialogaram entre si, construindo perspectivas de vivências únicas como Ouro Preto, Pampulha e Brasília. Perdoem-me aos que têm pra si outras referências, mas, para mim, esta tríade é o esteio para a construção de uma arquitetura digna de representar a cultura brasileira.


Meus amigos cariocas, defensores do neoclássico e do colonial, ou os daqui, apaixonados pelo ecletismo e o tardo-barroco não me perdoarão em princípio. Mas temos nesses três espaços a harmonia entre o construído e a perspectiva natural que, tanto nas concepções projetadas quanto nas formações orgânicas, nos dão a sensação de inteireza e plenitude. São personalidades diferentes, mas que completam a alma.

Lúcio Costa não era um modernista, mas um visionário. Ele, mais que qualquer outro nome, foi o arauto da compreensão da identidade brasileira. Fez surgir, tanto por suas pesquisas quanto pelos seus projetos, um olhar genuinamente brasileiro sobre os espaços urbanos deste país. Articulou o funcionalismo da Arquitetura Internacional com os padrões estéticos e vivenciais do Colonial, trazendo essas referências. O Modernismo Brasileiro, sempre defendi, já nasceu pós-moderno graças a ele.


Brasília é uma cidade que me faz bem: aquela terra inóspita me deixa pequenininha pela escala e profissionalmente, porém tem uma perspectiva linda, a gente se sente dono do mundo. Nada mais apropriado: 10 pra Lúcio Costa! O espaço foi projetado e se constitui como lócus do poder. A cidade é clara na hierarquia de suas funções e põe o homem em escala mínima em relação aos palácios de poderes. Em Brasília nos sentimos pequenos diante da monumentalidade. Porém não é opressora como outras cidades, ao contrário, nos imprime uma sensação de liberdade ímpar. A horizontalidade ampliada pela perspectiva do Planalto Central é elemento fundamental que diz: aqui está o comando, mas os caminhos são de vocês.
Em Brasília, Oscar Niemeyer compôs, para uma catedral no centro do poder nacional, um discurso denso. Suas estruturas externas são ao mesmo tempo raios e foices; os apóstolos são totens-guardiões estabelecendo outro espaço de poder; sua entrada nos conduz a um túnel escuro que desce para nos levar à luz do interior do templo e seus vitrais; os anjos pendem como que protegendo, mas bem que poderiam estar ameaçando cair na cabeça dos ímpios!

Pampulha é anterior a Brasília, e permitiu ao jovem Oscar Niemeyer experimentar o que iria, anos depois fazer. É interessante o quanto Niemeyer foi genial em suas igrejas! A Igreja de São Francisco de Assis insere na amplidão do entorno do lago da Pampulha as curvas das serras gerais, a modernidade de Cândido Portinari na pintura e na azulejaria de nossa origem lusa, a simplicidade e transparência de nossa alma brasileira, tão franciscana. Pampulha, em seu conjunto, onde temos além da Igreja de São Francisco, o Museu de Arte da Pampulha, a Casa do Baile e o Iate Tênis Clube, nos traz de volta ao eixo, nos humaniza, embora traga em si o discurso conceitual de um novo tempo, de modernidade. No Conjunto Arquitetônico da Pampulha podemos ver o exercício da construção de Utopia em torno de sua lagoa construída por Juscelino Kubitscheck.

Sobre Ouro Preto é muito difícil escrever. Somente podemos vivenciar Ouro Preto, andar em suas ladeiras, maravilhar-se com a perspectiva perfeita de suas ruas, tão humanamente construídas. Pode-se dizer que existem outras cidades de formação orgânica, impregnadas na arquitetura colonial e barroca, mas não amar Ouro Preto é um crime herético! Os espaços da cidade expressam as oposições do Barroco: o alto/baixo, os caminhos e os largos, a capela de uma ordem terceira e a suntuosidade da Igreja do Pilar, a simplicidade de uma casa e a riqueza plástica da igreja de São Francisco de Assis (novamente São Francisco...). Cada canto de Ouro Preto é um convite à sensibilidade, é impregnado de música, de conspiração, de saudade. Grande marco daqueles bandeirantes que foram em busca do ouro desta Vila Rica, o Itacolomi surge na paisagem como um grande anjo em pedra, e mais uma vez a cidade se harmoniza com seu sítio de forma inequívoca.

Não podemos negar em nenhuma das três, a força da identidade cultural brasileira e um pouco de nós.

Comentários

Postagens mais visitadas