Memorial da Cabanagem

“Como também já afirmamos anteriormente, coincidentemente à queda do monopólio do comércio da borracha, à virada ao século XX houve um período de profundas mudanças e tensões políticas, tanto no terreno local quanto no nacional e internacional. Localiza-se, por exemplo, na primeira metade do século, as chamadas duas Guerras Mundiais, que trouxeram em seu bojo uma série de mudanças, não só no campo político, mas também no comportamento e na expressão humana, de forma extremamente dinâmica. Como já pudemos situar, tivemos um período de busca de fortalecimento das forças constituintes do poder institucionalizado, nas primeiras décadas do século, onde observamos um extenso acervo valorizando militares e homens do poder. Com o advento do modernismo, que mais que uma estética visual caracteriza-se como um novo pensar nas relações com as formas de produção (do espaço, das formas e das idéias), em Belém nos faz ver surgir um conjunto de obras que buscam romper com o historicismo institucionalizado. Mesmo quando não vemos isto latente em sua expressão plástica, podemos observar no contexto temático.




Monumento Francisco Andréa: Aquele que deveria ser um monumento em homenagem à Cabanagem, marca a memória de seu último algoz.


Bom exemplo foi o tratamento dado à Cabanagem nas homenagens aos cem e cento e cinqüenta anos do movimento. Estes eventos buscavam uma revisão da historiografia oficial que a considerava um “movimento de bandoleiros” [1]. Mesmo com este enfoque, o monumento que visava comemorar o centenário, foi inaugurado no dia, hora e local da última batalha entre os Cabanos, ali vencidos, e as tropas Imperiais, em nome de seu último oponente, Francisco Andréa (fotos). Correção feita na inauguração do Monumento à Cabanagem, comemorando o sesquicentenário na data da tomada do poder pelos cabanos, 7 de janeiro de 1985, e não no dia 13 de maio, como anteriormente. Nada mais significativo que um monumento de Oscar Niemeyer, no início da ligação rodoviária com Brasília para marcar este tempo. É interessante observar ainda que, com a mesma magnitude que foi refeita a história da Cabanagem, grassou o abandono sobre o Memorial da Cabanagem, ao qual foi impossível fazer uma foto recente para ilustrar o presente trabalho, o que caracteriza que as mentalidades não evoluem no mesmo ritmo das consciências.
Contudo temos exemplos em que os MARCOS DO TEMPO assumiram o papel de expressão, não só estética mas em alguns casos também na postura ideológica de ruptura ao discurso oficial.”


[1]A historiografia oficial sobre a Cabanagem baseou-se em relatos dos vencidos durante a ação dos Cabanos. “Sendo a Cabanagem, como foi, o único movimento em que o povo realmente assumiu o poder, em que as camadas baixas da população (em termos sociais, culturais e econômicos) desalojaram os grandes senhores, os ricos burgueses, os que controlavam a política e a economia do Pará (...) compreensível que, após a derrota, os vitoriosos procurassem denegrir os revolucionários (...) os escribas, pressurosos em agradar à grande burguesia, salientavam os atos de barbarismo executados pelos cabanos, encobrindo, por outro lado, os praticados pelas forças legais”. Foi com o historiador Jorge Hurley e posteriormente com Carlos Rocque que a história da Cabanagem tomou corpo no prisma dos revolucionários. MONTEIRO, Benedicto . História do Pará, p. 174.



Texto extraído da monografia de especialização em Semiótica e Artes Visuais "Marcos do Tempo", UFPA, 2005. Páginas 132-133.

Comentários

Renato Gimenes disse…
O monumento à Cabanagem é importante, não somente pelo ponto de vista estético: trata-se de um documento/monumento de um período em que se reivindicou uma memória de lutas passadas em um contexto de redemocratização. Só isso - além da "marca" Niemeyer - bastariam para tornar o monumento importante.
Agora, há algo que precisamos discutir, aqui: em que condições os monumento à cabanagem foi produzido? Pois existe uma apropriação da memória da cabanagem, particularmente durante os governos de Jader Barbalho e Edmilson Rodrigues, que dão mais de um sentido ao acontecimento - sentido construído a posteriori. E o que foi feita desta memória? Isto pode explicar, ao lado da própria significação que os munícipes dão ao monumento, seu atual estado de abandono.

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