Meu pai

Hoje é dia dos pais. Tenho referência verdadeira pelo meu passado, não necessariamente por todos os seus elementos acessórios. Não poderia deixar passar em branco a lembrança do meu pai.
Ele foi quem me ensinou o que seria a complexidade da vida. Muito diferente do que normalmente se ensina aos filhos, da linearidade e objetividade dos planos, talvez sem querer, PC nem tenha percebido que me ensinou isto.
Paulo Cesar de Campos saía, inadiavelmente, todos os dias às 7 horas da manhã e, podia-se esperar, às 17:30h ele estava chegando. Contava com uma cumplicidade construída por anos de vivência e respeito da minha mãe, que entendia a necessidade dele de estar consigo mesmo, com suas músicas, seus livros, seus pequenos prazeres. Entre eles o de construir miniaturas em palito de fósforo, reconstruindo as fachadas de Parati, Ouro Preto, Passárgada... Tinha uma sensibilidade e interesse profundo por artes e era um apreciador aleatório da beleza do acaso: às vezes ficava voando, divagando sozinho em seus pensamentos, olhando algum nada que não víamos, mas que apreciávamos quando éramos apresentados ao seja-lá-o-que, simples e brilhante. Uma fachada azul no morro da Água Santa: por que não pegar o carro e ir até lá, descobrir que é uma igreja da Assembléia de Deus?
Não sei qual foi o primeiro espetáculo de teatro, o primeiro museu ou a primeira apresentação musical ao vivo pois essas coisas faziam parte da rotina. Não alimentei reverências às casas que fomos, embora, com o passar dos anos, identifique alguns nomes, como do filho de C. J. Dunlop. Dunlop foi, junto com Augusto Malta, um dos nomes da iconografia fotográfica do Rio de Janeiro. O filho de Dunlop era artista plástico e também deve ter assimilado geneticamente, como eu, o prazer para as artes.
Meu pai sempre falou do Halley, mas no período em que o cometa esteve visível, ele estava internado. Não me lembro se chegou a vê-lo, mas eu, cada vez que busco a constelação de escorpião me lembro dele. Foi uma besteira a aparição do Halley, decepcionadante para quem esperou por toda uma vida, mas eu guardo com muito carinho.
No Rio de Janeiro ainda guardo um tijolo-místico, que nunca ninguém entendeu o motivo. Ele pertenceu ao Laboratório Silva Araujo, do químico Paulo Silva Araujo, que deu nome à rua da minha infância. Químico e Paulo, como meu pai.
Quase nada tenho de lembranças materiais do meu pai. Eu nunca quis estas coisas, mas tenho tantas boas lembranças de conversas, de discussões sobre arte, de trocas de visões de vida. Sinto falta disto, não do ente, do personagem de um pai.
Rigidez de um pesquisador, olhar de visionário, amante de uma rotina própria, ético e apaixonado. Esta é a imagem que tenho do meu pai.

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