Foi assim

Uma palavra tem sido esquecida de se dizer sobre Walter Bandeira: sinceridade.
Muitos vão lembrar para sempre da irreverência, da voz, do jeito expansivo dele, mas poucos vão atribuir a isso a necessidade inata que ele tinha de se expressar. Tudo de belo que transmitiu, o fez com o transbordar da sua alma.
O que muitos vão guardar, eu vi pouco: Walter Bandeira no palco. Lá ele era a fera em seu habitat natural. Brincava solto porque sabia lidar com o espaço, com o corpo, mas especialmente, sabia lidar com pessoas. Sabia o que o público queria dele, e com maestria, dava seu show.

Mas Walter Bandeira foi mais que isso.
Todos que tiveram a chance de conhecê-lo com algum grau de intimidade, ou tiveram a sensibilidade de observar o homem por trás da imagem, afirmam: ele era um ser humano acima da média.
Convivi como observadora dessa figura ímpar, pelos corredores da Escola de Teatro e Dança da UFPA e pelos interstícios da vida. Me lembro, há mais de doze anos atrás, do primeiro espetáculo da Marina, minha filha, então iniciando os passos de ballet, no Teatro da Paz. Ao sinal do fim do espetáculo, para buscar as crianças pela escadaria dos fundos, uma massa humana, em escalas diferentes se amontoou, dentro e fora da grande porta: crianças ansiosas e pais afoitos. É difícil descrever (pois teria que fazer um grande parênteses para explicar a Marina), mas ela, na sua aparente fragilidade e calma, perdida ali naquele caos. De repente Walter Bandeira ergue-a e começa a perguntar "de quem é essa filha". Meu coração registrou uma tranquilidade naquela hora, como se estivesse no colo de um tio amoroso. Nesse dia a voz ganhou corpo.
Muitas vezes eu tive a oportunidade de lhe agradecer a forma, o carinho daquele gesto. Às vezes ele respondia com igual carinho, às vezes com sarcasmo... Gostava de perguntar-lhe, porque a resposta nunca era a mesma, nem o tom de voz. Revelava-se humanamente múltiplo.
Uma vez, me lembro, conversando sobre sua produção plástica e como expô-la na Galeria Municipal, ele falou sobre a sua necessidade de expressar, agora sobre papel. Nunca esqueci (e ouço com sua voz modulada):

"Eu nunca gravei um disco, nem quero. Depois que eu morrer, não quero as pessoas lembrando da minha voz, ouvindo disco. Quem quiser me ver cantando tem que me ver no palco. Agora, quem viu, viu. Quem não viu, foda-se!"

Nesse dia, a voz e o corpo homem e do artista mútiplo, mostraram a personalidade.
Outra lembrança: eu, no Sem Censura Pará para ser entrevistada sobre alguma exposição pela qual era responsável. No final do módulo anterior à minha entrevista, a apresentadora anuncia o falecimento de Giovanni Gallo. Corta. Câmera na Claudia. Corta. Intervalo de três minutos. Walter Bandeira, na bancada, percebeu o quanto a notícia me abalou (e a todos naquele momento) e transmutou o ambiente, com a consciência do artista que sabe que o espetáculo prossegue, sempre.

Walter Bandeira, o professor, o artista que nos ensinou a respirar, sorver a vida e expirar o máximo do fundo de si. Minha reverente homenagem àquele que foi muito mais que a voz do Pará.

Comentários

Anônimo disse…
O Walter foi muito mais do que qualquer definição que queiramos usar. Ele é grande. Lindo o teu texto, linda a lembrança da Marina. Beijaços.

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