Panorama da Evolução Urbana e Arquitetônica de Belém

A cidade de Belém foi fundada em 1616 e à exceção do forte de defesa da cidade, pouco ou nada foi planejado nestes primeiros anos de fundação. A cidade, inclusive era inscrita em suas muralhas até 1626, quando foram doadas terras a colonos portugueses e ordens religiosas.
A necessidade de expansão fez com que surgissem as primeiras ruas e, no seu correr, as primeiras casas. Como seria de se esperar, a tradição colonial portuguesa imperou na ordenação urbana da cidade de Belém em seus primeiros tempos. As ruas irregulares, seguindo a topografia da cidade, foram se desenvolvendo a partir do Forte do Castelo, ligando a pontos importantes de definição da cidade, como igrejas e outros prédios relevantes. As casas foram, na verdade, dando feição de ruas a estes caminhos, limitando-os, já que elas eram construídas em lotes estreitos até o limite do passeio, alinhando-se com as casas vizinhas. Estas casas, construídas em taipa ou tecnologia semelhante, possuíam um único pavimento, fachada simples de porta e janela, rés do chão, com piso de terra batida. Os telhados jogavam suas águas para a própria rua, que, na época, não possuíam calçamento; o material utilizado em sua construção era simples e tosco, dentro das possibilidades que o sítio oferecia em termos de matéria-prima; as aberturas da casa se resumiam aos vãos que se abriam na fachada e ao que abriam para o fundo desta, para o quintal: os cômodos centrais da casa eram escuros, úmidos e sem ventilação – as alcovas.
Na verdade, a distribuição dos espaços internos e mesmo a implantação nos lotes pouco mudaram ao longo dos primeiros séculos. Contudo o desenvolvimento econômico da cidade passou a permitir um aprimoramento maior no processo de construção civil. O uso de tijolos de argila cozida, ou mesmo de pedras nas construções mais nobres, passou a garantir edifícios mais sólidos, mesmo se usasse a taipa ou o tabique nas divisões internas, protegidas das intempéries. Alguns materiais de construção puderam ser incorporados ao vocábulo local, como o ferro e o vidro, que passaram , já no século XVIII, a compor esquadrias e gradis dos sobrados urbanos dos proprietários mais abastados.
Belém, que até então se limitava fisicamente ao que hoje chamamos de Cidade Velha, possuía como elemento inibidor a grande área alagada que lhe cercava, conseqüência do fluxo das marés no desembocar do igarapé do Piri. Entretanto, já possuía a definição de seu território em uma légua (correspondente à distância entre o Largo do Carmo e as avenidas Doutor Freitas e Perimetral).
Muito embora já houvessem construções fora do limite da Cidade, como construções religiosas (conventos, igrejas) e militares (baterias, redutos, fortalezas) foi com a vinda da Primeira Comissão Demarcadora de Limites que a cidade começou a assumir novos ares, devido à postura ativa do Marquês de Pombal (1750-1777) no controle da província, contando com engenheiros alemães (Gronfeld e Schwebel) e o arquiteto italiano Antônio José Landi. Uma das principais ações – o saneamento do alagado do Piri – permitiu que a cidade se expandisse integrada, no sentido dos atuais bairros da Campina e Comércio. Entre vários fatores, as construções puderam contar com lotes mais largos e, associados às novas tecnologias da época, assumirem escala monumental. É desta época a construção de obras como os edifícios do Palácio Lauro Sodré (Museu do Estado do Pará), Igreja de Sant’Ana, e outros tantos. Tudo isto permitiu uma nova face à cidade de Belém.
Belém, que já possuía economia baseada na exportação de produtos locais, passou a fortalecer as atividades comerciais paralela às atividades portuária. Mas foi no século XIX que a economia regional passou por seu período mais profícuo, quando a borracha assumiu valores de mercado que permitiram o crescimento de Belém e o surgimento de várias outras cidades, como Manaus. Nesta época, a riqueza da borracha passou a marcar definitivamente a arquitetura de Belém. Não só roupas e móveis eram comprados da Europa, mas também materiais de construção, como louças, azulejos, estátuas, gradis, e até mesmo construções inteiras eram importadas, valendo-se da tecnologia industrial e da produção do aço, como é o caso do Mercado de Peixe, o Chalé do Bosque, o Chalé do NUMA-UFPA.
Alguns valores de status passam a ser considerados e relevados no planejamento da cidade. Belém, que se expandia, expulsava os habitantes menos favorecidos para as áreas periféricas da cidade. Suas habitações, muito próximas do modelo colonial dos primórdios, passam a ocupar vias de saída da cidade. O uso do espaço urbano também passou a sofrer alterações. A cidade passa a ser considerada, não só sob seus aspectos físico-espaciais, mas também como espaço sanitário, visando a qualidade de vida de seus habitantes. Desta forma, uma série de posturas são tomadas, como a obrigação de que as casas não mais jogassem suas águas dos telhados para as ruas (o que impunha-lhes a instalação de platibandas), a valorização da luz solar e da aeração, a construção de espaços públicos para o convívio com a natureza, e mesmo o planejamento e execução, tanto quanto possível, de ruas e avenidas largas.
Isto gerou uma série de tipologias arquitetônicas e, especialmente, uma revolução na implantação das edificações nos lotes. Os mais aquinhoados que podiam contar com uma casa “na cidade” e outra nos arredores, tinham as “rocinhas” e “chalés” para poderem conviver com a natureza em harmonia. Desta forma, concentraram-se chalés em balneários como Mosqueiro e Icoaraci, e rocinhas na periferia de Belém. As residências urbanas, visando maior salubridade em seu interior, passaram a possuir recuos laterais, em princípio parciais, e depois soltando o imóvel no centro dos terrenos. Sob a força do Ecletismo, as residências eram verdadeiros monumentos que refletiam a personalidade de seus proprietários. As platibandas, que em princípio surgiram como uma imposição das leis urbanísticas da época, assumiram papel revelador do proprietário, com desenhos em relevo representativos de suas convicções políticas ou associativas ou o brasão da família, ornados de balaústres de louça portuguesa pintados, coroados por globos, pinhas, urnas ou mesmo esculturas de musas. O porão, que tinha função meramente de afastamento do piso, passa a possuir altura que o torna inclusive habitável. O acesso à casa já não se faz diretamente para a rua, e se não existem janelas nos cômodos intermediários, existe ao menos um avarandado interno aberto para um pátio ou jardim, que lhes permitem a iluminação e ventilação.
Com o declínio comercial da borracha no início do século XX, Belém já não pôde contar com a manutenção de seu vetor de crescimento e, de certa forma, estagnou. Porém, na década de 1960, com a inauguração da rodovia Belém-Brasília, um novo influxo cultural gerou a assimilação da estética do Modernismo (Arquitetura Internacional) que, entre outros pressupostos, tinha no uso do concreto armado um aliado para a plasticidade de suas formas puristas e na estabilidade de estruturas de edifícios cada vez mais altos (arranha-céus). O racionalismo modernista também provocou uma revisão na escala, que deveria ser, não mais monumental, mas humana. Desta forma, os pés-direitos que eram usados com 4 e até 6m, passaram a ser “padronizados” em 3m, assim como materiais de construção (portas, janelas,etc.), entre outros aspectos da modernidade.

Texto produzido em abril de 2004 para as ações de educação patrimonial do DEPH/FUMBEL e editado pela Revista Pará+

Comentários

Postagens mais visitadas