Isso é jogo sujo, Niemeyer!

Através do IgorT fui levada ao blog do Sérgio Léo, mais precisamente para a postagem Sossega o facho, Niemeyer!!
Eu já escrevi sobre as minhas preferências de espacialidade urbana brasileira, que refletem uma identidade cultural, um discurso de referências sígnicas perfeitas. Não sem motivo, em duas das três situações, houve a mão de Oscar Niemeyer. Mas em nenhum caso ele esteve sozinho: elas precisam de diálogo com painéis de Portinari, jardins de Burle Marx, um conjunto escultórico do Alfredo Ceschiatti, ao menos uma via-crucizinha de Di Cavalcanti...
Brasília, sem o traçado do (este sim) grande gênio do Modernismo brasileiro - Lúcio Costa - seria um conjunto de obras de valor escultórico indiscutível, mas de arquitetura polêmica, como vem sendo a produção de Niemeyer.
O diálogo entre os espaços cheios e vazios de Brasília não é casual. As inserções que vêm surgindo nas últimas décadas, como anexos e outras obras (inclusive do Niemeyer) nas fraldas da Esplanada dos Ministérios, comprometem indiscutivelmente a leitura do conjunto, que possui um discurso claro. O canteiro central, aquele grande vazio da Esplanada é um espaço de mediação entre a Cidade e o Poder, estabelecendo uma relação - de escala e de distância - que fala claramente que, ali, é território do Poder institucionalizado, porém onde o cidadão pode se organizar e se manifestar.
Assim sendo, se relaciona diretamente com os fluxos (de veículos, mas também de pedestres que, porventura, cheguem da rodoviária), eixos e setores da cidade. Existe um resguardo da Praça dos Três Poderes, pela interseção do edifício do Congresso Nacional (Câmara e Senado), como se dissesse "deixem, povo, que somos seus representantes a partir daqui!" O Alvorada é quase inacessível ao cidadão comum! Perfeito!
É uma obra de arte acabada. E, contextualmente coerente.
Isso que está sendo proposto é um estupro à nossa frágil cultura material. Ao propor a destinação do espaço do povo para um Memorial aos Presidentes (tsc, tsc, tsc...), está, certamente, ferindo o conceito simbólico fundamental das relações propostas. A instalação de um falo de 100 metros, como monumento ao cinqüentenário de Brasília (2010), é necessidade de afirmação (Freud explicaria), negando o que ele fez de melhor (ficaria quase na frente da Catedral) é crime imperdoável!
Aí, me vem o Niemeyer, à traição (porque, vamos e convenhamos, é o único vivo e produzindo daquela geração!) querer interferir em todo um discurso fechado! É como se Paul quisesse rever toda a obra dos Beatles!
Além do mais, Brasília é Patrimônio Cultural da Humanidade, referência da arquitetura brasileira para o mundo.

Você acha que, porque comemoramos o seu centenário, vamos aceitar qualquer coisa que você faça? Isso é jogo sujo, Niemeyer!

Comentários

Ivan Daniel disse…
Também concordo que é jogo sujo. Talvez esse senhor já tenha uma pasta cheia de projetos pra Brasília após sua morte. Quem garante que depois dessa, aos poucos toda a área livre do Monumental seja tomada por obras?
Não podemos permitir.

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