Datas e memória

Tenho um problema sério de memória, há algum tempo. O lugar-comum dos médicos é dizer que é culpa do estresse (esse companheiro fiel) que de fato tem se tornado presença constante e trazendo suas companhias indesejáveis e fora de hora. Devo à agenda das redes sociais não me tornar uma pessoa acrônica por me lembrar dos aniversários de amigos, eventos... e cada aniversário é uma enxurrada de lembranças. Sim, datas são difíceis de guardar, mas nos remetem a momentos, pessoas, sentimentos.
Ultimamente tenho optado por não me lembrar das datas e todas as referências que me trazem: talvez essas minhas crises de memória tenham algo de psicossomático e voluntário. Não sei viver sem o passado, mas ele me traz lembranças doídas. Dezembro é um mês doído, e eu sempre curti muito, no passado, o dezembro. Algo que se encerra, semeia o desejo de uma renovação, novos planos, fim de etapa, conquistas... Sim, há alguns anos era assim. Dezembros agora são meses tensos, de cobranças minhas e externas, de lembranças de fins que não renascem no alvorecer do novo ano. Dezembro vem sempre com o "passar régua", não mais de fechamento de contas, mas uma régua afiada que vem cortando a alma.
Eu tinha esse sentimento triste com Abril, mês da Páscoa (nunca entendi bem o fato de comemorarmos festivamente a morte de Cristo, embora ressuscitado três dias depois; sou lenta em relação à digestão de sentimentos) e de um outono sombrio e castanho do Rio de Janeiro. Outonos são lindos em fotos onde sabemos que depois virão luzes de neve, não em clima tropical; outonos tropicais são deprimentes. Mas há quase 25 anos não passo outonos no Rio e, pousada na Linha do Equador, dizem, não existem meia-estações. Mas Abril tinha também um sentimento agourento que custei a me livrar. Enfim, os outonos ficaram, lá atrás, mas vieram os dezembros...
Quem vive o calor acha a chuva uma bênção. Desculpem-me os amigos médicos e atentos aos riscos, mas sou solar, adoro os raios UV na minha pele, não necessariamente protegidas. O tempo nublado, para mim, remete aos abris passados. Prefiro as grandes tempestades à chuvinha constante. Aprendi, vivendo em Belém, que nuvem prenuncia chuva e, logo após a chuva, o sol brilha... menos nos dezembros.

[para Paulo Cesar de Campos]

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